O assunto de hoje é diretamente relacionado com o movimento vertical da laringe, portanto é importante ter lido o post sobre este movimento antes do de hoje.
Ao procurar manter a laringe na posição baixa (sem empurrá-la para baixo, nunca se esqueça disso!) não podemos esquecer que ela é parte de um grande tubo pertencente ao trato vocal e está diretamente conectada com a traqueia (observe na figura). Ambas estão conectadas e, pensando nisso, fica fácil deduzir que movimentos da traqueia interferem na laringe. A traqueia, por sua vez, está também diretamente conectada ao diafragma e à pressão de ar dentro dos pulmões, variando juntamente com eles.
O movimento que nos interessa hoje é o tracheal pull ou a força de tração da traqueia (eu, particularmente acho semanticamente o termo em inglês mais claro e o usarei de agora em diante). Esse movimento consiste em a traqueia “puxar” a laringe para baixo quando o diafragma está contraído.
“Tração da traqueia (tracheal pull): força de tração que a traqueia transmite à laringe. A força de tração da traqueia aumenta com a contração e aplainamento do diafragma, como ao fim de uma inspiração, e diminui à medida que o diafragma relaxa e se eleva, durante a expiração.” ¹
Não é difícil entender que, se queremos manter a laringe abaixada o tracheal pull é um grande aliado mas, conforme Sundberg nos esclarece acima, o tracheal pull naturalmente diminui durante a expiração, ou seja, durante o canto. É necessário, então, exatamente como em diversos outros movimentos técnicos já abordados aqui no blog, que o cantor aprenda a controlar o tracheal pull a fim de utilizá-lo conforme sua necessidade e não apenas deixá-lo funcionar naturalmente.
Compreensão mental
Vou dividir o tracheal pull em dois tipos, para facilitar a compreensão.
1 ) O primeiro tipo será aquele tracheal pull que deve acontecer o tempo todo, o permanente. Este movimento é muito suave e praticamente imperceptível visualmente, mas perceptível ao toque, quando a pessoa tem conhecimento suficiente para diferenciar, ao apalpar, que parte é a laringe e que parte é a traqueia. Para quem não tem essa consciência, o tracheal pull será sentido como um movimento único junto com o abaixamento vertical da laringe. Este movimento acontecerá corretamente como consequência de uma correta manutenção das costelas abertas durante a expiração, portanto não requer, em situações normais, um estudo separado. É possível, porém, que tensões exacerbadas na musculatura em torno da traqueia possam impedir que ele ocorra, mesmo com um correto controle de respiração. Nessas situações, um professor de canto qualificado ou fonoaudiólogas especializadas em voz lírica serão capazes de trabalhar o problema em particular .
2) O segundo tipo é o tracheal pull específico para ser usado no registro de peito, seja ele puro ou misto (leia mais sobre registros aqui). Diferente do primeiro tipo, esse é um movimento técnico específico e que deve ser treinado em separado. Por isso, a partir de agora, quando me referir a tracheal pull estarei falando sempre deste segundo tipo. No registro de peito e no misto a laringe precisa se acomodar de forma mais relaxada e abaixada. Muitas vezes, entretanto, ao tentar abaixá-la, encontramos uma espécie de obstáculo que impede que ela se abaixe quanto precisa: esse obstáculo é a traqueia (para ouvidos treinados é muito claro o som produzido quando ocorre essa “briga” por espaço entre a laringe e a traqueia). É nessa hora então que o tracheal pull deve ser feito, trazendo a traqueia gentilmente mais para baixo e para dentro (o peito desce um pouco) oferecendo para a laringe mais espaço, de forma que ela possa encontrar o relaxamento e abaixamento necessário para notas mistas e de peito.
Compreensão Física e Emocional
Quando suspiramos fazemos um ótimo tracheal pull. Para treiná-lo observe o que acontece quando você suspira e procure reproduzir durante o canto, focando apenas no movimento da traqueia. O movimento que ocorre nos ombros durante o suspiro não é necessário para o tracheal pull.
O tracheal pull é um movimento SUAVE e que, feito corretamente, não causa tensões consequentes, ao contrário, promove o relaxamento das estruturas necessárias do trato vocal. Portanto, caso sinta que o seu treino está te deixando mais tenso, saiba que o movimento está errado (procure sempre ajuda de um professor qualificado para te orientar).
Outro ponto de atenção durante o tracheal pull são os músculos retos superiores (aqueles mesmos que trabalhamos na agilidade, leia mais sobre isso aqui). Coloque uma de suas mãos sobre essa região e observe que durante o tracheal pull, assim como no suspiro, eles se relaxam para fora. Uma excessiva contração nessa musculatura poderá, portanto, impedir que o movimento ocorra.
Para exemplificar melhor, veja o video abaixo onde podemos observar Diana Damrau e Edita Gruberova usando o tracheal pull. Selecionei duas sopranos coloratura, pois é nesse tipo de voz que o movimento é maior e portanto mais visível, particularmente em saltos muito grandes. Nas outras vozes femininas o tracheal pull poderá ser menor, conforme a conformação física pessoal de cada cantora, mas sempre deverá ser feito durante a fonação de notas graves. Não existe uma nota específica em que ele deva ser feito, esse ajuste é particular para cada pessoa. Já nas vozes masculinas o tracheal pull, além de necessário para notas extremas na tessitura grave também é essencial para notas agudas.
Nunca imite um movimento de outro cantor, cada instrumento é diferente
e pode ter diversas alterações devido a conformações musculares próprias.
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