Hoje vou falar um pouco sobre a equipe multiprofissional ou multidisciplinar que deve sempre auxiliar aos atletas da arte. Antigamente, um mesmo profissional executava diversas funções, isso em todas as áreas e não apenas na arte ou na área da saúde, porém com a modernidade o processo da especialização se estabeleceu. Atualmente, então, temos diversos profissionais diferentes que podem ajudar tanto no desenvolvimento estético do artista como de seu domínio e preservação corporais. Uma dúvida recorrente tanto entre os artistas quanto até mesmo entre os próprios profissionais da área da saúde, porém é: “qual profissional cuida do quê?”.

A necessidade da ordenação

“A pureza é uma visão das coisas colocadas em lugares diferentes do que elas ocupariam, se não fossem levadas a se mudar para outro, impulsionadas, arrastadas ou incitadas; e é uma visão de ordem – isto é, de uma situação em que cada coisa está em seu lugar justo e nenhum outro.”

(Bauman – 1998)

Segundo Bauman (filósofo polonês famoso por cunhar o termo “modernidade líquida“ para explicar como se processam as relações sociais na atualidade) descreve em seu livro ”O mal-estar da pós-modernidade”, a modernidade ocupou-se em alavancar o “progresso” da humanidade, ordenar o mundo e eliminar suas ambiguidades, indo atrás do sonho da pureza. Uma das áreas ordenada foi a dos conhecimentos científicos, que foram separados em categorias, classificações e ordenações, determinando assim a qual lugar pertence cada um. Na área da saúde esta ordenação ocasionou a criação das diversas profissões, que foram separadas em especialidades. Com estas divisões, o estudo de cada profissional também pode ser mais aprofundado, pois este pode se dedicar “apenas” a uma parte de uma grande área que é a Saúde. Separando os conhecimentos, poderia-se então determinar o que pertence a onde eliminando a ambiguidade, porém gerando uma visão simplista do conhecimento, principalmente pela ideia de que se algo não está no lugar certo estaria no lugar errado. E por que eu estou falando sobre tudo isso? Pois é necessário compreender que o conhecimento não é tão separado em caixinhas como a modernidade deseja, e que especializações profissionais existem mas as vezes também ocorrem elisões de áreas que podem ser cuidadas tanto por um profissional quanto por outro.

Irei agora, então, tentar explicar qual a função de cada profissional dentro dessa tão desejada equipe multiprofissional, sempre lembrando que, para que exista uma equipe realmente, os profissionais devem se falar e pensar juntos as intervenções a serem feitas.

Vou começar pela separação mais fácil de compreender: quando um atleta da arte possui uma lesão, quem deverá tratá-lo será o médico, o fisioterapeuta e/ou fonoaudiólogo e não seu treinador, professor ou coach da sua atividade artística. Já quando pensamos em aprendizagem do gesto artístico (movimentos técnicos realizados para execução da arte) e construção da expressão estética, acontece o oposto. Sempre gosto de comparar com o futebol: não se aprende a jogar futebol com o médico ou fisioterapeuta, como o técnico ou treinador do time não tratam quando um jogador tem uma lesão.

Dentro dessa primeira separação, ainda podemos dividir mais um pouco: caso o tratamento para a lesão seja medicamentoso (por uso de recursos químicos) ou cirúrgico, este será realizado pelo médico, caso o tratamento seja por recursos físicos este será feito pelo fisioterapeuta e/ou fonoaudiólogo. Caso a lesão seja nas estruturas responsáveis pela voz ou audição caberá ao fonoaudiólogo tratá-la, caso seja em qualquer outra parte do corpo será o fisioterapeuta. Porém mesmo nesta divisão “mais fácil“ de compreender, já teremos momentos de elisões onde em alguns casos mais de um profissional poderá tratar da lesão. Por exemplo: a terapia de ondas de choque é um recurso físico que pode ser aplicado tanto por médicos quanto por fisioterapeutas que tenham estudado para isso (pois não é um domínio obrigatório para nenhuma das duas profissões). Uma disfonia por tensão muscular poderá ser tratada tanto por um fonoaudiólogo quanto por um fisioterapeuta que tenha se especializado nisso (não é um domínio obrigatório para esta profissão). Quando estamos falando em atletas da arte, sempre busque profissionais ESPECIALIZADOS em artes performáticas ou na sua arte em especial para fazer parte da sua equipe multiprofissional. Infelizmente nenhuma dessas profissões estuda no seu currículo obrigatório as diversas formas de usos artísticos do corpo.

Os níveis de atenção à saúde

Agora vou falar da divisão mais difícil e com mais elisões ainda: quando estamos falando de indivíduos saudáveis, sem lesões, a coisa fica bem mais entrelaçada.

Para compreender essa parte é bom entender os 3 níveis de atenção à saúde definidos pela OMS (hoje em dia já se fala em um quarto nível também, mas não falarei dele neste momento): o nível primário, aquele onde se promove a saúde através da prevenção e proteção específica (intervenções para que não ocorra a lesão ou doença), o secundário, aquele que trata a doença o mais precoce possível e o terciário, onde se reabilita para o retorno às atividades normais pós cura ou controle da doença ou lesão. Todos os profissionais da saúde podem e devem agir em todos os níveis de atenção à saúde.

O nível que nos interessa aqui é o primário, pois nele não existe lesão e o indivíduo se encontra saudável. Nele entram todos os recursos usados para a prevenção e também a melhora da performance, pois um organismo mais protegido e equilibrado (menos propenso, portanto, a lesões) costuma produzir um melhor rendimento. Neste nível, diversos profissionais podem atuar, mais uma vez se tiverem especialização para isso. Vou dar alguns exemplos: os profissionais que estudam em seu currículo base a prevenção de lesões são os fisioterapeutas e os educadores físicos, porém reforço que as artes performáticas não são abordadas no currículo base, algumas faculdades oferecem algumas formas de expressão artística mas nunca de forma profunda, sendo sempre necessário um estudo mais aprofundado pós graduação. Porém um professor de balé que tenha se especializado em condutas para evitar lesões também estará apto para atuar na prevenção e na melhoria da performance.

A arte como expressão estética

No início deste texto mencionei que o fazer artístico deve ser ensinado apenas pelos treinadores, professores ou coachs de cada expressão artística e nunca por um profissional da saúde, a menos que este profissional da saúde também seja um profissional da arte específica. Neste caso ele estará ensinando o fazer artístico, tanto técnico como expressivo, pela sua parte professor de arte e não pela sua formação como profissional da saúde. Profissionais que acumulam formações podem sim desempenhar mais de um papel dentro da sua equipe multiprofissional, por serem habilitados para ambas as funções.

Vale aqui ainda uma discussão sobre isso, pois, por mais que as artes performáticas sejam artes corporais, a maximização das capacidades físicas, que pode ser trabalhada com um profissional da saúde, não produz a execução da arte, pois a arte tem como base a expressão estética e precisa portanto de um ensino muito além do fortalecimento ou domínio corporal. Outro ponto a se levantar neste momento é que as artes de alta performance exigem muito além do que é considerado saudável para o corpo, e a formação dos profissionais da saúde tem como base o corpo saudável.

Quem deve estar na equipe?

Como já dissemos, você deve sempre procurar um profissional especializado na sua área de atuação artística para colocar em sua equipe. Caso não o encontre, procure por profissionais da área do esporte, pois esta é a de maior semelhança com a das artes performáticas. É inclusive por esta razão que utilizo o termo Atletas da Arte. Além de buscar um profissional especializado na sua área, procure saber se ele tem formação para os recursos que utilizará com você (a laserterapia, a eletroterapia, a termoterapia e as terapias manuais, por exemplo, são recursos básicos do currículo da fisioterapia, mas fonoaudiólogos e educadores físicos também podem usá-los caso façam uma formação extra para isso), nunca aceite o uso desses recursos por um profissional que não seja qualificado ou os utilize sozinho. Estes recursos só podem ser usados por profissionais da saúde, ou seja treinadores, professores ou coachs não estão qualificados para usá-los nem se tiverem feito um curso de formação para isso, fique atento!

Nesta equipe então devemos pensar nos profissionais que atuarão no nível primário (de prevenção e melhora da performance) e nos profissionais que atuarão no nível secundário e terciário. Caso ocorra alguma doença ou lesão, o ideal é que os profissionais já estejam cuidando do atleta da arte antes de qualquer adversidade aparecer, para poderem atuar imediatamente diminuindo ao máximo o tempo que este estará afastado de suas atividades artísticas. Não enumerarei terapeutas holísticos neste texto, mas fique à vontade para acrescentá-los na sua equipe multiprofissional.

Para todos os atletas da arte:

  • Treinador, professor ou coach da sua arte – aquele que o ensinará, lapidará e fará a manutenção dos gestos artísticos e da expressão estética;
  • Médico fisiatra ou ortopedista – controle dos desgastes físicos, suporte medicamentoso tanto de prevenção quanto para tratamento, equilíbrio metabólico, intervenções cirúrgicas;
  • Fisioterapeuta – prevenção e tratamento de lesões através de recursos físicos, compensações para a sobrecarga de estruturas e potencialização da performance, seja por treinamentos para equilíbrio de forças seja por terapias manuais (osteopatas, quiropraxistas ou RPGistas são especialidades da fisioterapia, portanto também se encontram neste item);
  • Nutricionista – equilíbrio alimentar adequado para sua atividade artística;
  • Psicólogo – apoio psicológico (saúde mental e emocional são tão importantes quanto a física);
  • Massoterapeuta – uso de terapia manual para o relaxamento de musculaturas sobrecarregadas;

Mais estes para os que usam a voz de forma profissional (nunca esqueça que a sua voz habita um corpo e que seu corpo deve ser cuidado tanto quanto a sua voz em particular, por isso esses profissionais são além dos citados acima):

  • Médico Otorrinolaringologista – controle e tratamento de doenças do trato vocal e auditivo por tratamento medicamentoso e/ou cirúrgico;
  • Fonoaudiólogo – prevenção e tratamento de lesões do trato vocal e auditivo através de recursos físicos;

Referências:

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