Este artigo é uma tradução publicada no Blog Papo de Violinista de Helena Piccazio. O artigo original é de Noa Kageyama, publicado originalmente no blog do site The Bulletproof Musician sob o título DOES MENTAL PRACTICE WORK?.
Estudo mental funciona?
Diz-se que os lendários pianistas Rubinstein e Horowitz nem sempre estavam loucos para estudar. Rubinstein simplesmente não gostava de estudar por horas a fio, enquanto Horowitz supostamente temia que estudar em outros pianos, que não o seu próprio, afetaria negativamente seu toque. Sua solução? Uma boa dose de prática mental.
Embora muitos de nós possam nunca vir a ser lendas como eles, a prática mental é algo do qual todos os músicos podem com certeza se beneficiar, independentemente do nível de habilidade.
Ter um concerto chegando e você não está pronto, mas cansado demais para estudar? Quer estudar, mas não pode, por causa de um ataque de tendinite ou um resfriado? Salas de ensaio ocupadas? Instrumento no lutier? É muito cedo/tarde para estudar? Só tem 15 minutos, por isso nem vale a pena tirar o seu instrumento do armário, encontrar uma sala e aprontar tudo, só para ter que sair alguns minutos mais tarde?
Soa familiar?
Claro, mas apenas imaginar-se tocando pode não ser a mesma coisa que prática física real, certo?
Você está certo. Não é a mesma coisa, mas a partir de estudos com atletas, sabemos que as pessoas bem-sucedidas tendem a envolver-se em práticas mentais mais sistemáticas e extensas do que os indivíduos de menos sucesso. Sim, reconheço que existem algumas diferenças entre atletas e músicos – mas não tantas quanto você pode pensar, no aspecto mental do desempenho.
Além disso, os pesquisadores estão descobrindo mais evidências neurológicas e fisiológicas para apoiar o que os atletas top, como o grande jogador de basquete Larry Bird, o mergulhador olímpico Greg Louganis, e jogador de golfe Tiger Woods já sabem há anos – que a prática mental produz mudanças reais e melhorias tangíveis na performance. Em um estudo, os participantes que estudaram mentalmente uma sequência de cinco dedos num piano imaginário duas horas por dia tiveram as mesmas alterações neurológicas (e redução de erros) que os participantes que praticaram a mesma passagem fisicamente num piano real. Alguns sugeriram que a prática mental ativa as mesmas regiões do cérebro que a prática física, e pode realmente levar às mesmas alterações na estrutura neural e conectividade das sinapses.
Em outras palavras, existem cada vez mais evidências de que o estudo mental (se feito corretamente) pode fazer uma diferença real na sua performance.
MINHA EXPERIÊNCIA COM O ESTUDO MENTAL
Eu me lembro quando eu tinha 4 ou 5 anos, minha mãe me colocava para tirar um cochilo antes das apresentações, e me dizia para deitar calmo no meu quarto, passando mentalmente a performance nota por nota. Na época eu achei que era bobagem, mas isso meio que grudou em mim, e virou parte do que eu fazia.
Anos depois eu descobri que esse hábito de estudo mental contribuiu, na faculdade, para me dar a reputação de não estudar, porque eu passava tão pouco tempo nas salas de estudo. Na maior parte, a reputação era verdade – eu estudava talvez umas duas horas por dia no máximo, e geralmente ainda menos nos fins de semana. Ouvi dizer que um outro violinista na minha classe perguntou à professora como eu era capaz de tocar tão bem, apesar de estudar tão pouco. Ela respondeu que a maior parte do meu estudo acontecia na minha cabeça, então eu não tinha necessidade de passar tanto tempo na sala de estudo. Eu não sei como ela sabia disso, mas ela estava certa. Durante todo o dia, indo para a aula, comendo, ou apenas sentado por aí, muitas vezes eu me encontrava dentro da minha mente, ouvindo tudo o que eu estava estudando, vendo e sentindo meus dedos tocar as notas, tentando diferentes dedilhados ou arcadas, experimentando com mudanças de posição e pressões de dedo, corrigindo erros, tudo mental. No final do dia, eu gastava uma ou duas horas passando as coisas que eu já tinha ficado o dia todo trabalhando, e fim da história.
Com toda a sinceridade, eu realmente deveria ter estudado mais, por isso não posso endossar a idéia de que tudo bem estudar só uma ou duas horas por dia (embora você possa querer ler este artigo, sobre como estudar com mais eficiência). Eu também não posso prometer que você vai soar como um Rubinstein ou Horowitz se se envolver mais com estudo mental, mas eu sei que, se você não se envolver com isso, está ficando totalmente de fora de uma tremenda ferramenta para melhorar sua performance.
CHAVES PARA O ESTUDO MENTAL EFICAZ
A literatura psicológica sobre o estudo mental sugere que existem duas chaves importantes para ter em mente quando se envolver nesse tipo de estudo – que seja sistemático e vívido. Em outras palavras, a prática mental não é igual a sonhar acordado, do mesmo jeito que estudar no piloto automático não é muito útil. Para ser eficaz, ele deve ser estruturado como o estudo prático real, com auto-avaliação, resolução de problemas e correção de erros.
ALGUMAS ORIENTAÇÕES SOBRE O ESTUDO MENTAL
Algumas idéias sobre como começar.
- Acalme-se
Feche os olhos. Concentre-se apenas na sua respiração por um minuto. Inspire devagar e profundamente pelo nariz, então expire lentamente pela boca. Em seguida, procure a tensão em todo o seu corpo: verifique a sua cabeça e os músculos faciais, seu maxilar, pescoço, ombros, braços, punhos, mãos, costas, quadris, glúteos, coxas, panturrilhas, tornozelos, até mesmo os dedos dos pés. Deixe toda a tensão derreter até sumir.
- Expanda o seu foco
Pode ser qualquer coisa – o seu instrumento, a estante em sua sala de estudo, uma parede específica. Visualize na sua mente. No começo pode não ter muito detalhe, ou pode ser difícil focar a imagem. Tudo bem, o seu objetivo é escolher algo pequeno, torná-lo mais vívido, e começar a expandir essa vivacidade para o resto do seu ambiente imaginado. Você melhora com a prática.
- Aqueça
Imagine-se tocando escalas ou aquecendo com algo fácil. Você consegue se ouvir? Exatamente do jeito que soa? O que você sente? Você pode sentir os dedos, os braços, os ombros, os pulmões, garganta, etc.? Veja o quão vividamente você pode recordar os elementos cinestésicos envolvidos em tocar o seu instrumento.
- Imagine
Veja, sinta e ouça a si mesmo começar a tocar. Concentre-se nos movimentos que produzem os sons e efeitos que quer enquanto passa a música, nota por nota, frase por frase em sua cabeça. Continue “tocando” até cometer um erro ou sentir a necessidade de corrigir o jeito como algo soou.
- TiVo
Quando você se “ouvir” ou se “vir” tocar algo que não soa como quer, imediatamente aperte o botão de pausa no seu TiVo* mental. Rebobine até um lugar antes do erro. Comece a partir desse ponto, indo lentamente para a frente, a uma velocidade que você possa controlar. Repita esse processo várias vezes, assim como você faria na prática real, até que esteja fazendo corretamente na velocidade certa. Não fique voltando e tentando de novo sem pensar – certifique-se de apertar pause, pensar por que o erro aconteceu, apertar play, tentar de novo, e aí sim, seguir em frente quando estiver satisfeito com o resultado, sabendo porque o erro aconteceu em primeiro lugar.
*O TiVo é um aparelho que, além de armazenar a programação de TV a cabo em seu hard drive para ser visto depois, também volta ou pausa a programação em curso.
- Mantenha-o real
É importante tornar a experiência o mais vívida e real que puder – sinta o instrumento em seus dedos, mãos, lábios. Realmente ouça o som, as texturas, o volume. Veja o quarto à sua volta e o instrumento que está tocando.
SUGESTÕES ADICIONAIS
Quando você usar essa técnica, divida-a em segmentos menores, como frases ou trechos mais curtos da peça. Você não tem que tocar da capo ao fim sempre.
Tente visualizar-se em locais diferentes, vestindo roupas diferentes, e em diferentes condições.
Quando você sentir que pegou o jeito do estudo mental, experimente se testar. Grave-se executando um trecho, revise e avalie o seu desempenho, em seguida faça uma série de ensaios mentais daquele trecho escrevendo o que você notar. Depois, toque de novo, revise e avalie o seu desempenho, prestando atenção no que mudou.
Depois de fazer da prática mental sistemática uma parte de sua rotina de estudo, tenho certeza que em breve você vai se perguntar como conseguiu viver sem isso até hoje.
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Dr. Noa Kageyama é um violinista que resolveu partir para a área da Psicologia da Performance e hoje integra o corpo docente da Juilliard School e New World Symphony em Miami, além de ser convidado das principais instituições de ensino de música nos EUA, ensinando músicos como tocar o seu melhor sob pressão através de aulas ao vivo, treinos e um curso on-line.
Outro artigo de Noa Kageyama compartilhado aqui no Blog: Por que alguns músicos parecem ser memorizadores “naturais” (e como tornar-se um)?