O mundo estava sendo ameaçado por monstros malvados, sua cidade natal estava correndo perigo de ser aniquilada e todos os seus amigos e entes queridos precisavam de ajuda. Ele então não tinha escolha, era hora de agir. Vestiu seu uniforme, colocou sua mochila-foguete nas costas, ligou suas turbinas e com um salto saiu voando da varanda à caça dos inimigos….
Observar uma criança brincando é algo muito especial e rico para o estudo de um cantor-ator. A capacidade de imaginar histórias fantásticas e de entrar totalmente dentro delas é uma habilidade que, infelizmente, perde-se ou diminui muito com a vida adulta, e que para um artista é essencial e deve ser totalmente reencontrada.
A imaginação pode ser considerada o superpoder do intérprete. É através da expressão do mundo criado dentro da sua imaginação que o público poderá se encantar, rir e chorar na noite do espetáculo.
Apesar da chama da imaginação fantasiosa normalmente diminuir com a entrada na vida adulta, o uso da imaginação (principalmente da não-fantasiosa, aquela onde a mente cria uma situação possível) continua ocorrendo em diversas situações corriqueiras do dia a dia. Encontrá-las é o primeiro passo.
“Anyone who has rehearsed a conversation with a former lover or praticed quitting before meeting with his or her boss has used imagination as a tool of preparation.” ¹
Como disse Hicks, o autor da frase acima, praticar uma conversa antes que ela aconteça é algo muito comum na vida profissional, acadêmica e social de qualquer um e, ao fazer isso, a ferramenta que está sendo usada é a da imaginação. Comece a partir de hoje, então, a observar situações como essa e analise-as com a finalidade de entender como funcionam.
SE
“…o nosso trabalho numa peça principia com o uso do se, como alavanca para nos erguer da vida quotidiana ao plano da imaginação. A peça, os seus papéis, são invenções da imaginação do autor, uma série inteira de ses e de circunstâncias dadas, cogitadas por ele. A realidade fatual é coisa que não existe em cena. A arte é produto da imaginação assim como o deve ser a obra do dramaturgo. O ator deve ter por objetivo aplicar sua técnica para fazer da peça uma realidade teatral. Neste processo o maior papel cabe, sem dúvida, à imaginação.” ²
Uma das mais famosas técnicas de interpretação é o uso do se.
Se eu fosse uma cigana e quisesse conquistar um soldado…..
Se eu fosse um príncipe resgatando uma princesa por quem me apaixonei ao ver seu retrato…..
O uso do se facilita o acesso à imaginação e com ele é possível vivenciar situações que só ocorrem dentro da sua mente. Para dominá-lo totalmente, a ponto de criar mundos complexos e cenas muito distantes das da própria vida, é necessário fazer exercícios de imaginação aos poucos, criando, a priori, situações fáceis de serem imaginadas, tais como: se eu ganhasse na loteria o que eu faria, se ele tivesse me pedido em casamento, etc. Podem parecer bobos esses simples exercícios, mas eles são uma excelente forma de achar a chave para a sua imaginação e exercitá-la. Quanto maior for o número de detalhes da situação que está sendo imaginada, mais profundo será seu exercício e mais fértil ficará sua imaginação. Procure imaginar os mínimos detalhes…. como eu reagiria ao conferir meu bilhete da mega-sena? Eu gritaria? Desmaiaria? Ligaria primeiro para quem? Quando ele me pedisse em casamento onde seria? O que estaríamos vestindo, comendo, bebendo, etc?… Outo exercício excelente é o de interagir com objetos imaginários, quando temos uma exteriorização da imaginação, fazendo-a atingir o corpo. Mais uma vez, quanto maiores os detalhes em relação ao objeto, melhor. Interagir com um objeto imaginário por um bom tempo é também um excelente exercício para o desenvolvimento da concentração*, pois qualquer distração fará com o que o objeto “desapareça”. Escreva, por exemplo, uma carta de demissão com objetos imaginários, o papel, a caneta, ou o computador, o teclado, o mouse, onde ficam as teclas…. etc
Na interpretação de um papel (seja ele numa ópera ou numa peça) existem circunstâncias dadas sobre seu personagem que não podem ser esquecidas nem ignoradas (lembre aqui, como encontrá-las), a elas somam-se as circunstâncias criadas por você no estudo sobre ele*, e será a partir da junção de ambas que você começará o uso do se na criação do seu personagem: Se você estivesse nessas circunstâncias como você agiria? Se você fosse de determinado jeito, o que faria nessa situação?….
“The given circumstance is a crucial element of acting and the magic if.” ¹
Se imaginar na situação do personagem é essencial para compreendê-lo e consequentemente interpretá-lo.
Podemos separar dois usos principais para a imaginação. O primeiro é quando, durante o estudo do personagem, nos imaginamos em seu lugar e assim nos aprofundamos na análise dos seus objetivos e dos porquês das suas ações*, e o segundo na performance em si, quando o uso da imaginação é uma importante ferramenta para a interpretação, para encarnar o personagem.
“Durante cada segundo que estivermos no palco, a cada momento do desenrolar da ação da peça, temos de estar cônscios, ou das circunstâncias externas que nos cercam (toda disposição material do espetáculo) ou de uma cadeia interior de circunstâncias que foram imaginadas por nós mesmos, a fim de ilustrarmos nossos papéis.”²
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