O alicerce fundamental da técnica que ensino (e uso) é a respiração. É um trabalho em que tudo começa a partir da conquista da nossa matéria prima essencial: o ar. Escolhi essa técnica de respiração por quatro motivos: empatia pessoal, abrangência de todos os recursos técnicos independente da classificação vocal, a obtenção dos mesmos resultados em qualquer cantor (quando executada corretamente, claro) e porque através deste trabalho, para nenhuma questão sobre as características do som produzido a resposta é “virá com o tempo” ou coisas do gênero.
Descrevendo resumidamente, todos os músculos do nosso corpo funcionam alternando um momento de contração e outro de relaxamento, ou seja, um momento de ação e outro de passividade. No ato de respirar isso não é diferente. Dentro do que podemos considerar como Passivo e Ativo existe, obviamente, uma gradação, mas para facilitar o estudo consideraremos um ato Passivo aquele que ocorre sem o comando/controle mental direto e um ato Ativo aquele que, ao contrário, ocorre sob controle absoluto.
Ao dormir, normalmente, temos uma inspiração passiva e uma expiração passiva [PAS-PAS] (observe sua respiração ao acordar, antes mesmo de abrir os olhos, sem interferir no seu funcionamento). Já quando estamos acordados, a tendência é a de uma inspiração ativa e uma expiração passiva [ATV-PAS] (observe sua respiração em atividades corriqueiras, em momentos de exercício físico como ao subir uma ladeira costuma ser mais evidente). Em algumas atividades físicas extremas também podemos observar uma respiração exageradamente cansativa, com um padrão respiratório de inspiração e expiração ativas [ATV-ATV].
A vocalização, seja para o canto ou para a fala, ocorre durante a expiração. Portanto, ao cantar, a expiração deve ser extremamente ativa, para assim conseguir controlar o ar. A tendência, então, é de entrar naquela respiração cansativa onde se inspira e expira ativamente. Com essa respiração, no entanto, dificilmente se tem resistência para cantar por diversas horas (lembrem sempre que o canto é uma atividade física de resistência e não de explosão, sendo essencial sua execução sem perdas de qualidade por horas contínuas).
Por esse raciocínio facilmente chega-se a conclusão de que é necessário um momento de “repouso” para a musculatura, um momento de passividade. Como durante a expiração isso é totalmente impossível, o único momento para que isso ocorra é a inspiração. O padrão respiratório ideal para o canto é o de inspiração passiva e expiração ativa.
A primeira pergunta que costumam me fazer quando chego nesse ponto da explicação é “Mas isso não é anti-natural?“. Se você tiver reparado no parágrafo em que descrevi as respirações e sugeri sua observação, nenhuma delas tinha esse padrão de PAS-ATV, portanto a resposta para essa pergunta é bem simples: Sim, é anti-natural! Leia mais sobre a não naturalidade do canto lírico aqui.
Hoje escreverei sobre a primeira parte desta respiração PAS-ATV, a inspiração passiva que, infelizmente, não é tão fácil quanto aparenta, pois, não fazer nada é bem mais difícil do que se imagina.
Compreensão Mental:
When dealing with the aerodynamic events of breathing, in either speaking or singing, it is important to recognize that, unless restricted in some fashion, air will flow from a region of higher pressure to one of lower pressure.¹
Relembre algumas distantes aulas de física e busque pela seguinte informação: “A pressão maior invade a pressão menor”.
No processo respiratório, ao esvaziar os pulmões de ar, a pressão dentro do pulmão fica negativa em relação à pressão atmosférica fora do corpo, e então o ar de fora com maior pressão invade o pulmão com menor pressão. Ou seja, nos preocupando em esvaziar completamente os pulmões (durante a expiração ativa) criaremos as condições para que, passivamente, a inspiração ocorra.
It is important to note that in spite of how it feels when you inhale, you do not actually pull air into the body. On the contrary, air is pushed into the body by the atmospheric pressure (…) that always surrounds you. This means that the actual force that gets air into the lungs is outside of the body.²
Outro fator importante para que a inspiração passiva seja possível é o relaxamento total dos músculos abdominais. O pulmão, ao ser preenchido pelo ar, empurra o diafragma para baixo e este por sua vez empurra os órgãos abaixo dele, que precisam ter para onde ir. Se a musculatura estiver contraída, impedirá que isso ocorra, e o pulmão não poderá ser totalmente preenchido pelo ar. Este impedimento na expansão do pulmão pode ser muito difícil de perceber sensorialmente, mas uma situação parecida que, creio, todos já experimentaram pode ajudar nessa compreensão: com o estômago muito cheio é comum se sentir uma sensação de dificuldade ou diminuição da respiração. Nesse caso, o pulmão não consegue empurrar o estômago cheio e por isso não alcança seu preenchimento completo.
In descending the Diaphragm presses on the abdominal viscera, and so to a certain extent causes a projection of the abdominal wall.³
Com os músculos relaxados, os órgãos internos podem, então, ir para baixo e para fora quando da expansão do pulmão com a entrada do ar, temos assim a “barriga pra fora” durante a inspiração passiva e relaxada. Observe no video:
O conceito da Yoga abaixo também é uma bela forma de pensar esse processo:
“Because exhalation is an action of removing waste from the system, another practical way of applying this insight is that if we take care of the exhalation, the inhalation takes care of itself. If we get rid of the unwanted, we make room for what is needed.²”
Compreensão Física:
Um bom início é a observação, como escrevi acima, da respiração ao acordar. A observação é extremamente importante, para saber o que se está procurando, como é essa tal inspiração passiva que é necessário executar? A observação do fenômeno no seu próprio corpo ajuda muito no aprendizado.
O exercício do Reflexo Respiratório (presente no livro da atriz-cantora-fonoaudióloga Eudosia Acuña Quinteiro, o Poder da voz e da fala no Telemarketing ⁴) é maravilhoso para se tomar consciência de como a inspiração passiva deve ocorrer (lembre-se que cada organismo é único e o importante é achar a forma como a inspiração passiva acontece no seu organismo). O essencial desse exercício é entrar no estado da respiração passiva, porém totalmente desperto.
Tendo claro o que se busca como inspiração relaxada faça o seguinte exercício: expire totalmente com grande força abdominal para jogar todo o ar para fora e logo em seguida relaxe toda a musculatura abdominal (toda mesmo, até o assoalho pélvico) e mantendo as vias respiratórias relaxadamente abertas para que a “magia” da invasão do ar com mais pressão ocorra. [Este exercício consta no livro Vivere in Armonia ⁵] Existem diversos outros exercícios para ajudar nesse treino.
O pranayama (nome dos exercícios respiratórios do yoga) chamado Kapalbhati é muito bom neste treino também.
Compreensão Emocional:
É importante tentar abstrair as sensações de agonia, falta de ar e etc que chegam ao cérebro. Em função do hábito de estar há anos respirando de outra forma, o corpo sente estranhamento quando começa a treinar essa respiração e produz diversos “avisos” errados de falta ou insuficiência de ar. Com o treino o corpo também aprende que está tudo bem e para de produzir esses “avisos errôneos”. Um bom exercício para trabalhar esse ponto é o da Vibração + Expiração em ritmo acelerado.
Para ter aulas de canto com Tati Helene entre em contato aqui.
Seu texto é muito claro e com o vídeo é possível ver bem a respiração diafragmática durante o canto.
Muito obrigada, estou aproveitando muito.
Obrigada Sheyla! Fico feliz que esteja aproveitando!! 😉
Muito legal o vídeo e o exercício proposto! Realmente, muito clara a explicação. Obrigado, Tati.
Obrigada querido!