Antes de terminar o ano pagarei minhas dívidas de temas sugeridos pelos leitores. F. Pereira me pediu para falar sobre ressoadores e sobre registros e C. Melo me pediu para falar sobre falsete.

Ao pensar sobre este assunto, temos que ter sempre em mente que um dos principais objetivos da técnica lírica é a unidade do timbre, fazendo com que toda a voz soe por igual, e pensar nos diferentes registros existentes só nos leva para a direção oposta, a direção de uma voz feita em pedaços.

Outra coisa que devemos ter presente é que este é um campo cheio de discordâncias, que ainda precisa ser mais pesquisado.

Hoje escreverei sobre os registros apenas de forma teórica, mais pra frente tratarei sobre as técnicas necessárias para unificação da voz.

torneira-com-misturador-em-cobre-parede-2-registros-151801-MLB20404548120_092015-FO que são?

“…a vocal register may be briefly defined as a series of consecutive voice tones of equal timbre, which can be distinguished from adjoining series.” ¹

Mesmo não sendo um cantor ou estudante de canto, com certeza alguma vez na vida você já se deparou com os registros vocais, ao tentar cantar junto com uma música e não saber se cantava grave ou agudo, seja a música inteira ou um trecho dentro dela (A música “Valsinha” de Chico Buarque é uma das campeãs em colocar cantores frente a frente com a questão do registro).

Podemos simplificar e dizer que registros são conjuntos de notas consecutivas (pensando sempre em uma escala) que apresentam várias características similares, ou seja, mesmo timbre e vibração, e que do ponto de vista fisiológico, são produzidas pelo mesmo mecanismo no trato vocal.

Por que ocorrem?

O trato vocal como um todo assume uma determinada posição quando está produzindo um determinado som, em certo registro. Se estamos cantando uma escala e começamos a cantar notas mais agudas, as pregas vocais começam a se esticar até que, em certo ponto, não é mais possível para elas continuar esticando. Neste momento ocorre uma mudança na posição do trato vocal: nessa nova posição, as pregas conseguem se esticar novamente e assim podemos continuar a subir.

“Vocal registers appear to be determined by actions of the intrinsic muscles of the larynx, by actions of the cricothyroid muscles in altering relationships between the laryngeal muscles and the laryngeal cartilages, by actions of certain neck muscles that function as an external frame to the laryngeal musculature, by subglottic pressure and breath flow rate, possibly by the extent of tracheal pull, by coupling between the larynx and the resonators above the larynx, and, at least in some voices, by the degree of vocal fold damping.” ¹

Registros principais

Os registros principais são aqueles usados na maior parte dos tipos de canto. Fique atento para não confundir a nomenclatura desses registros com locais de ressonância.

“Nel passaggio da un registro all’altro le corde vocali operano per un sottile meccanismo di tensione, regolata dalla pronta contrattilità dei muscoli tiro-aritenoidei (tensori interni) e da qualli crico-aritenoidei (tensori esterni). A seconda che l’una o l’altra attività prevalga si hanno i cosidetti registri di petto o di testa.

Il registro medio è quello in cui la tensione delle corde vocali gradatamente diminuisce via via che la gamma ascende e gradatamente viene sostituita dai tensori esterni.” ²

Registro de Peito

Também chamado por alguns de registro modal. Nesse registro as pregas vocais vibram por todo o comprimento e profundidade do músculo tireoaritenoideo (TA), e o músculos cricoaritenoideos (CA) estão praticamente sem ativação. É o registro predominante da fala, principalmente entre os homens. Caracteriza-se por um som mais grosso ligado à voz masculina e tem grande vibração no peito.

“La voce o registro di petto comporta: la glottide aperta e tesa, le corde vocali allungate, il faringe contratto, il torace vibrante, il massimo sostegno di fiato.” ²

Registro de Cabeça

Também chamado de registro elevado. Nesse registro os músculos cricoaritenoideos (CA) estão contraídos, inclinando a cartilagem tireóidea para a frente e para baixo, as pregas vocais estão alongadas e afinadas (no sentido de espessura e não de entonação musical), vibrando apenas em suas extremidades superiores. Os músculos tireoaritenoideos (TA) estão praticamente sem ativação. É o registro da fala da maior parte das mulheres. Caracteriza-se por um som mais fino e pungente, ligado à voz feminina.

“La voce o registro di testa comporta: glottide semiaperta e apertura accorciata, corde vocali accorciate, faringe e velo palatino rilasciati o almeno minor tensione delle pareti, torace isolato.” ²

Registro Misto

É o registro que fica entre o de peito e o de cabeça, uma região de transição onde tanto o músculo TA como o músculo CA estão em atividade. Em uma escala ascendente, o músculo TA vai relaxando e o CA contraindo. Uma voz destreinada normalmente apresenta um som frágil e opaco nesse registro, porém uma voz treinada apresenta um som firme e equilibrando que mistura as características principais do registro de peito e de cabeça. Para o canto lírico é importante expandir e dominar este registro, pois uma habilidade essencial para a obtenção da uniformidade vocal é a capacidade de manter ambos os músculos em atividade durante a maior parte da tessitura, possibilitando assim o domínio necessário para graduar qual músculo está atuando de maneira predominante em que momento.

“Si potrebbe definire il registro misto un ponte fra i due registri estremi, che si è venuto determinato appunto come una specie di zona neutra di collegamento.” ²

Registros auxiliares

Registro Vocal Fry

downloadEsse registro também pode ser chamado de Strohbass,  pulsante (pulse register), basal ou contra-baixo (contre-bass).

Todas as vozes podem produzir esse registro, cada uma começando quando seu registro de peito acaba em caminho descendente na escala.

Não é um registro muito usado no canto, pois seu volume é baixo e possui uma característica trepidante no som, porém pode ser ouvido em música coral Russa.

Fazer algumas notas nesse registro ajuda a relaxar levemente as pregas vocais, pois estarão separadas e trepidando, como em uma massagem. Porém tempos prolongados nesse registro podem causar flacidez nas pregas, fique atento.

“The Strohbass sound is produced by a combination of adductive tension of the transverse interarytenoid muscles and inactive lateral interarytenoids. This causes ‘the posterior parts of the arytenoids at the apex to contact each other, but the vocal processes do not contact each other, or the contact is very alight’. The airflow and subglottal pressures are low, there are large amplitudes of the vocal folds, a small closed quotient, and a small number of partials (Van den Berg).” ³

Registro Flauta

4007Esse registro também pode ser chamado de harmônico (flageolet), assobio (whistle – alguns pesquisadores consideram o registro whistle um outro registro pois consideram que nele as pregas vocais não vibram) ou pássaro (bird-tone). Apenas em algumas pessoas identifica-se esse registro, normalmente em vozes femininas bem agudas. Podemos situá-lo acima (pensando de forma ascendente na escala) do registro de cabeça, na região dos superagudos.

Seu timbre é bem menos rico em harmônicos, volume e projeção, mas possibilita às vezes que a cantora alcance notas muito agudas que não seria capaz no registro de cabeça. Apesar de ser fraco é usado algumas vezes por cantoras líricas em algumas músicas que exigem superagudos extremos como a ária da Rainha da Noite, por exemplo.

“Physiologically, flageolet is characterized by ‘ minimal/reduced vocal fold oscillation and no apparent phase of complet closure’. ³

 E o falsete, afinal, o que é?

O falsete é um termo muito confuso na pedagogia vocal, pois já foi usado para definir diversos registros diferentes. Os clássicos Caccini, Mancini, e Tosi consideravam que a voz teria dois registros, o de peito e o falsete (que seria o equivalente à voz de cabeça). Já Manuel Garcia chamava em sua teoria dos 3 registros o registro misto de falsete, por apresentar (principalmente em cantores destreinados) um som frágil e inconsistente.  Hoje em dia alguns pesquisadores referem-se ao falsete como sendo o registro de cabeça puro para os homens e/ou o registro flauta para as mulheres.  O termo falsetone também existe e é normalmente usado para se referir a um registro misto masculino estendido para a região que já seria a do registro de cabeça. Devido a todas essas controvérsias sobre o termo, o melhor é não usá-lo, já que todos os seus usos fazem referência a um dos termos mencionados acima, muito mais claros.

Onde ocorrem?

“Ognuno dei registri può variare di estensione e sonorità secondo il sesso e la consituzione organica dell’individuo”. ²

Algumas pessoas usam o lugar onde ocorrem as passagens de um registro para outro para classificar uma voz, o que é um grande erro. Além de cada ser humano ter um trato vocal único e por isso fazer a passagem em diferentes lugares, durante a vida de uma pessoa ela, em diversas situações, usou a voz, e isso pode ter alterado inconscientemente onde seriam suas passagens “naturais”.

Mas como esse post é apenas para matar a curiosidade sobre o tema, indicarei os lugares onde mais comumente ocorrem essas passagens nas diferentes classificações vocais.

Primeira passagem é quando acaba o registro de peito e começa o misto e segunda passagem é quando o registro de cabeça começa.

Vozes Femininas Primeira Passagem Segunda Passagem Para o Registro Flauta
Soprano Eb3* F#4* D5 – E5*
Mezzo-soprano E3 – F3* E4 – F4* C5*
Contralto G3 – Ab3* D4* A4*
Vozes Masculinas Primeira Passagem Segunda Passagem
Tenor C3 – E3* G3 – B3*
Barítono B3* Eb3*
Baixo A2* C3-D3*

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*Considerando o Dó central como Dó 3.
¹ “… um registro vocal pode ser brevemente definido como uma série de tons de voz consecutivos de igual timbre, que podem ser separados da série seguinte.”  “Registros vocais parecem ser determinados por ações dos músculos intrínsecos da laringe, por ações dos músculos cricotireoideos que alteram as relações entre os músculos e as cartilagens da laringe, através de ações de determinados músculos do pescoço que funcionam como uma moldura externa à musculatura da laringe, por alteração da pressão subglótica e quantidade do fluxo respiratório, possivelmente pela extensão da traqueia, por acoplamento entre a laringe e os ressoadores acima da laringe, e, pelo menos em algumas vozes, pelo grau de amortecimento vocal.” (Traduções livres)  -MILLER, Richard. The Structure of Singing: System and Art in Vocal Technique. United States of America: Schirmer, 1996.
² “Na passagem de um registro para o outro as cordas vocais operam por um sutil mecanismo de tensão, regulada pela contração dos músculos tireoaritenoideos (tensores internos) e dos cricoaritenoideos (tensores externos). Dependendo de uma ou a outra atividade prevaleça teremos os assim chamados registros de peito e de cabeça. O registro médio é aquele no qual a tensão das cordas vocais gradativamente diminui pouco apouco enquanto ascende (na escala) e gradativamente vem substituída pelos tensores externos. .” “A voz ou registro de peito implica em: glote aberta e esticada, cordas vocais alongadas, faringe contraída, tórax vibrante, o máximo suporte da respiração.” “A voz ou registro de cabeça implica: glote entreaberta e abertura encurtada, cordas vocais encurtadas, faringe e palato mole relaxados ou, pelo menos, menos tensão nas suas paredes, tórax isolado…” “Pode-se definir o registro misto como um ponte entre os dois registros extremos, que é determinada exatamente como uma espécie de zona neutra de conexão.” “Cada registro pode variar de extensão e sonoridade segundo o sexo e a constituição orgânica do indivíduo.” (Traduções livres) – Maragliano Mori, Rachele – Coscienza della voce nella scuola italiana di canto – Milano: Edizioni Curci, 1970.
³ “O som do Strohbass é produzido por uma combinação de tensão adutiva dos músculos transversais interaritenoideos e de uma inatividade nos interaritenoides laterais. Isto faz com que ‘as partes posteriores dos aritenoides no vértice entrem em contato entre si, mas os processos vocais não contactam entre si, ou o contato é muito ardido “. A pressão do fluxo de ar e subglótica são baixas, há grandes amplitudes das pregas vocais, um pequeno quociente fechado, e um pequeno número de parcialmente fechados (Van den Berg).” “Fisiologicamente, o harmônico é caracterizado por mínima ou reduzida oscilação das pregas vocais e nenhuma fase aparente em completo fechamento”. (Traduções livres) – STARK, James. Bel Canto – A History of Vocal Pedagogy – Toronto: University of Toronto Press Incorporated, 1999. (eBook)

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