Hoje vou falar de uma questão muito importante tanto para um estudante de canto quanto para um cantor profissional: ser responsável pela própria voz. Além de ser responsável pela sua proposta como artista, o cantor também deve ser consciente das escolhas com relação ao seu estudo e progresso na técnica do canto. O cantor, o dono da voz, é o responsável por todas as escolhas feitas em relação ao seu processo de estudo, desde a escolha do professor de canto até a aceitação da técnica proposta e, principalmente, a avaliação de como está sendo sua evolução. Infelizmente já vi muitos casos de alunos com problemas vocais que os atribuíam ao estudo com determinado professor. É claro que isso é possível, porém os problemas não acontecem de uma hora para a outra, e o processo tem que ser sempre observado. A pergunta “mas você ficou tanto tempo estudando com tal professor observando sua voz piorar e continuou?” sempre vem à minha mente. A principal causa para este tipo de problema está no fato de alguns cantores não se considerarem responsáveis pela própria voz, atribuindo a um terceiro a responsabilidade por decidir o que é ou não melhor para si.
Então vamos às decisões que um cantor deve tomar conscientemente para se tornar responsável pela sua voz:
A escolha do professor de canto
Muitos pontos devem ser levados em conta nessa escolha: qualidade do professor, local da aula, preço, se o “santo bate” ou não, etc. Com relação às questões mais práticas (preço, local, etc) cada um sabe avaliar o que é possível dentro das suas próprias condições, vou falar um pouco então de como avaliar a qualidade do professor.
Me lembro até hoje do que Heloísa Petri me disse quando fui falar com ela sobre ser sua aluna (ela tinha sido indicada por um amigo): “Você já me ouviu cantar?” Eu não tinha, e ela me disse para ir a algum dos seus próximos concertos e depois voltar para conversarmos sobre as aulas. Fiz como ela pediu e fui sua aluna por alguns anos, sendo ela uma das pessoas essenciais para a minha formação como cantora. Essa sua atitude ficou marcada na minha memória e até hoje acho que é um bom começo para se conhecer um professor de canto, afinal se você for assistir a um cantor e não gostar de como ele canta, é bem pouco provável que ele te ensine a cantar de outra forma que não seja essa (é importante saber diferenciar o que é a voz da pessoa, característica pessoal, imutável e não ensinável e o como ela canta, a técnica que usa para cantar, pois é possível que você goste da voz da pessoa e não de como ela canta ou vice versa). Essa também não é a única forma de avaliar a qualidade de um professor, pesquise sobre ele, como cantam seus os alunos, qual a sua formação, assista uma aula como ouvinte etc.
A aula é para você
Depois de escolhido o professor, tenha claro que ele está lá para te ajudar no seu processo de evolução como cantor. Parece óbvio, mas já vi muitos casos de alunos que vão à aula para agradar o professor, que têm medo de perguntar o que está sendo trabalhado ou dizer quando não entenderam algo. É importante que você sempre saiba responder à seguinte pergunta: “Qual parte da técnica você está tentando dominar neste momento?” afinal são muitas coisas que devem ser dominadas para se cantar bem, e cada uma delas tem o seu próprio processo de aprendizado. Claro que é possível aprender várias partes da técnica ao mesmo tempo, mas cada um desses pontos terá o seu próprio processo e tempo, e existem coisas que precisam ser apreendidas em ordem. Por exemplo, primeiro aprende-se a dominar a dinâmica de mezzoforte e depois o piano. Saber o que você está tentando aprender no momento otimiza seu estudo e dá a real noção de quais são as suas capacidades atuais. Imagine um violinista começando seu estudo de violino: ele saberá dizer se está estudando no momento cordas soltas, primeira posição, segunda posição, etc. No canto não deve ser diferente. Pergunte ao seu professor o que está sendo trabalhado nas suas aulas. (Recomendo a releitura do texto do Marcelo Ferreira que fala sobre Prática deliberada).
Auto-observação constante
O seu processo de evolução no canto deve ser sempre reavaliado, cada processo é individual e por isso difere muito de pessoa pra pessoa, não é porque um aluno tem cantado cada vez melhor estudando com determinado professor que com você acontecerá a mesma coisa, é necessária muita auto-observação e sinceridade para avaliar se as aulas estão funcionando ou não. Lembram-se do post sobre as sensações esperadas e as não esperadas ao estudar canto? Releiam-no aqui. Nesse post comento sobre várias sensações que podem aparecer ao estudar canto e sobre como interpretá-las para entender se o estudo realizado está funcionando para você ou não.
Outra coisa muito importante é separar a relação pessoal da relação professor-aluno. Mesmo que tenha se tornado amigo do seu professor de canto, isso não pode te impedir de reavaliar constantemente se o processo está funcionando ou não. Caso não esteja e troque de orientação, isso não deve ser interpretado como uma ofensa ao professor, ou colocar em cheque a qualidade do mesmo, é apenas uma constatação de que, para você, este método não está funcionando.
O período de avaliação vai mudar dependendo do que está sendo avaliado. Em uma ou duas aulas, por exemplo, já é possível perceber se o “santo bate” ou “não bate” com o do professor; já para avaliar se a técnica proposta está funcionando ou não é necessário mais tempo. Uns 6 meses são um bom prazo para avaliar se o estudo está funcionando ou não, e saber o que está sendo trabalhado em cada aula e o que você está tentando conquistar ajuda muito nessa avaliação também.
Caso chegue à conclusão de que o processo não está funcionando, seja sincero com o professor, divida com ele suas dúvidas e constatações e procure outro profissional por melhores resultados. Uma coisa interessante a ser mencionada nesse ponto é que todo professor tem prazo de validade. O que quer dizer isso? Quer dizer que depois de um tempo (normalmente vários anos) você já absorveu tudo o que aquele professor tinha para passar e é hora de procurar um novo tutor. O principal sintoma de que isso aconteceu é a estagnação na evolução.
O processo de troca de professor, seja por incompatibilidade, seja por ter vencido o prazo de validade, deve ser feito sem melindres ou mentiras, tendo em mente que todo o conhecimento apreendido continuará a ser válido, é apenas uma mudança de fase. Nunca é legal cuspir no prato de que se comeu 🙂 . Eu sou da opinião de que sempre, mesmo depois do período de formação, é importante ter um professor de técnica que te acompanhe, mesmo que seja de forma eventual, que ele esteja presente para quando você tiver dúvidas ou para ajudar nas escolhas da carreira profissional.
Tecnologia
Os avanços tecnológicos estão aí para ajudar no estudo do canto. Mesmo sabendo que o melhor gravador que existe ainda altera o som com relação à realidade ao vivo, é essencial gravar (com o melhor gravador que puder, eu recomendo os da Zoom, como o H4) todas as suas aulas e performances para ouvi-las depois. Isso ajuda na fixação do conhecimento aprendido e também na avaliação que mencionei acima sobre o que está acontecendo com o seu som, pra onde o professor o está encaminhando e se você gosta e quer ir nessa direção.
Outro avanço tecnológico é a possibilidade das aulas por skype, tornando mais acessíveis professores do mundo todo. O ideal, na minha opinião, continua sendo uma aula presencial, mas uma aula por skype também pode dar muito resultado, dependendo da dedicação do aluno e da forma como o professor consegue se comunicar com ele pela tela do computador. (Teste, avalie, veja se funciona pra você).
Vários professores
Uma coisa que sempre me perguntam é o que eu acho de um aluno ter aulas com vários professores de canto ao mesmo tempo. Eu acho que existem pontos positivos e pontos negativos desta opção. Um processo de construção técnica demora um bom tempo e para os resultados aparecerem é necessária continuidade trabalhando sobre a mesma orientação. Ficar mudando de professor toda hora pode atrapalhar seu progresso. Já ter a opinião de vários profissionais sobre um mesmo ponto da técnica pode ajudar na compreensão desse ponto e agilizar a sua compreensão e domínio (pois cada um aborda e explica um ponto de um jeito diferente), mas exatamente pelo fato de cada um explicar de um jeito, ouvir várias opiniões também pode confundir e prejudicar a sua evolução. Acho que o mais importante é o bom senso em relação aos pontos de que falei acima (consciência de qual parte da técnica se está estudando e a auto-avaliação constante) para saber se essas várias opiniões estão ou não ajudando o seu processo individual. Ressalto ainda que a sinceridade é essencial para uma boa evolução técnica na relação professor-aluno, portanto sempre conte aos professores com quem mais você está estudando e o que está trabalhando com esse outro profissional.
(Para não confundir o trabalho de um professor de técnica e um coach leia o artigo de Karyn O’Connor compartilhado no blog aqui.)
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