“Não acredito em Arte. Acredito em artista.” Marcel Duchamp
Um grande erro na pedagogia do canto lírico é não começar desde o princípio a falar sobre a Arte e o fazer artístico. A grande dificuldade técnica acaba sendo o principal e muitas vezes único foco do estudo, deixando a questão Arte para a intuição ou o “dom” do estudante, caso ele o possua. O culto desmedido por artistas do passado, a tradição lírica e conceitos acadêmicos sobre o que pertence ou não a cada estilo restringem ainda mais o espaço para que o cantor venha a ser desenvolver como um artista. É claro que o estudo histórico das tradições ligadas à interpretação é essencial para a formação de um artista e que as regras de estilo devem ser aprendidas e compreendidas, da mesma forma que um compositor deve aprender as regras de contraponto para depois poder quebrá-las nas suas composições quando assim o desejar. É exatamente essa capacidade de escolher quando seguir ou não uma regra ou tradição visando a obtenção de um objeto artístico melhor a diferença dos grandes artistas.
“É fascinante observar um artista esforçando-se por alcançar o equilíbrio adequado, mas se lhe perguntássemos por que fez isso e mudou aquilo, talvez ele fosse incapaz de nos explicar. O artista não obedece a regras fixas. Ele simplesmente intui o caminho a seguir. É verdade que alguns artistas ou críticos, em certos períodos, tentaram formular leis para a sua arte; mas sempre se constatou que artistas medíocres não conseguiam nada quando tentavam aplicar essas leis, ao passo que os grandes mestres podiam desprezá-las e, ainda assim, conseguir uma nova espécie de harmonia em que ninguém pensara antes.” ¹
Arte é comunicação
O tema Arte é muito amplo e renderá inúmeros posts, com certeza, a ideia hoje é apenas dar uma visão inicial de pra onde um aluno deve começar a olhar ao trilhar o longo e árduo caminho de se tornar um artista.
A Arte acontece no encontro entre a proposta do criador, transmitida através do objeto artístico (seja ele palpável, como um quadro ou não, como a interpretação de uma canção), e a leitura desse objeto pelo público. Por isso, o primeiro passo para a construção de um olhar sobre o que é arte e o que é ser artista é entender como a esta comunicação acontece.
“… a arte não está no objeto artístico, mas no encontro que esse objeto promove entre duas subjetividades e no compartilhamento da emoção poética.” ²
Entender como ocorre essa comunicação é crucial para um artista entender o seu próprio ofício. Cada ser humano tem dentro de si opiniões, memórias, conceitos, gostos e todo um universo de significados oriundos da sua vivência e cultura tanto pessoal como social. De todo esse universo interno se origina a proposta do artista em relação aquele objeto artístico, mas uma vez criado ele não pertence mais ao seu criador, é independente, esperando a leitura do espectador. A partir do universo de significados de cada pessoa do público ocorrerá uma leitura desse objeto, então, a comunicação terá ocorrido e a Arte terá sido criada.
“a opinião do artista sobre a própria obra
é apenas mais uma possibilidade de visão
acerca do trabalho.em arte,
a prática é a única detentora da verdade,
isto é:
a obra fala por si,
e cada uma das pessoas que a experienciam
possui autonomia para fazer sua própria leitura –
e todas as leituras são verdadeiras,
ainda que nenhuma delas seja definitiva.”Roberto Alvim (dramaturgo e diretor de teatro)
O Belo e o Bonito
Uma confusão comum existente no campo da Arte é supor que o Belo deve ser Bonito. O que caracteriza o Belo em uma obra de arte é a sua capacidade de despertar a fruição no interior daquele que entra em contato com ela, ou seja, de tocar o espectador, de fazê-lo sentir, refletir e interagir com a obra. Essa capacidade pode vir de um objeto artístico bonito ou feio, pois essas qualidades não interferem na capacidade de fruição que a obra proporciona.
“… o belo é uma qualidade das obras de arte, que desperta uma emoção à qual estão associados os sentimentos e as ideias do artista e a identidade que ele é capaz de estabelecer com o público. Que essa emoção resulte de uma composição aparentemente bonita ou feia, isso é secundário, está relacionado com o movimento artístico ao qual o artista pertence e com a ideia que ele quer transmitir.” ²
As fotos do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado nos ajudarão a entender mais facilmente essa diferença entre Belo e Bonito. Observe as fotos acima. Nelas identificamos cenas de extrema pobreza e sofrimento, situações que não são bonitas, mas não podemos deixar de nos emocionar com a beleza que elas possuem exatamente por serem tão expressivas tratando de temas tão áridos.
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Parabens pelo post,como dizemos por aqui,volltreffer!
Hoje ,por coincidencia,conversava com uma colega ,exatamente sobre isso:como nos tornamos escravos do sistema de produçao da arte,onde a plasticidade do artista é sobreposta ao proprio produto de comunicaçao,onde a forma é imposta do quadro ,no caso a “boniteza” do artista ao belo e profundo da arte,do qual somos responsaveis em cultivar a preservacao do belo que se eterniza .
Ela justificou que por influencia das cameras(hoje utilizadas em tantas producoes)se exige um padrao hollywoodiano,mas retruquei dizendo que pele e make up nao exibem o que emociona um telespetador ou ouvinte,que pelo poder exato da musica,realiza a comunicacao com o artistico,do qual falaste.
Obrigada pelo post !
Obrigada Adriane, é sempre um prazer te ter como interlocutora! 🙂 Esse tema é realmente essencial para um cantor/artista e infelizmente é poucas vezes abordado! Beijocas 😉