“Onde quer que você esteja, esse é o ponto de partida.”
Kabir
Hoje falarei de uma sensação muito frustrante que é muito comum para um estudante de canto: a sensação de que se voltou para trás e de que se está tendo que estudar o que foi aprendido nas primeiras aulas.
Essa sensação acontece porque o conceito do estudo da técnica não está claro o suficiente. Temos o costume de idealizar o estudo da técnica como se fosse um jogo de tabuleiro onde uma casa vem depois da outra e que quando todas tiverem sido percorridas você terá chegado ao fim e portanto “vencido” no jogo da técnica. Esse é um dos maiores enganos ao entender o processo de aprendizado técnico e o maior responsável pelas sensações frustantes de se ter caído de repente em uma casa do tabuleiro que te mande voltar para o início do jogo.
A melhor forma de pensar o estudo técnico é compará-lo, ao invés do tabuleiro, com um quebra-cabeças. O estudo técnico é como a construção de um quebra-cabeças e depois sua montagem, ou seja, no primeiro momento do estudo técnico as peças devem ser construídas para que, no segundo, algumas comecem a se juntar e finalmente no terceiro todas estejam no seu lugar e a figura do quebra-cabeças seja compreendida.
A fase da construção das peças é aquela onde se aprende os movimentos técnicos puros, separados do resto, focando em sua coordenação e perfeita execução. Nesta fase, como quando pegamos peças avulsas de um quebra-cabeças, muitas vezes não é possível nem ter uma ideia de qual figura será formada. Analogamente. no canto, nesta fase não se tem nenhuma projeção de como o som ficará: você pode inclusive passar por sons aparentemente desagradáveis, como se pegasse uma peça do quebra-cabeças toda azul escura que sozinha não lhe dirá nada, mas que no contexto com todas as peças juntas será uma parte do fundo de uma noite escura belíssima.
Já na segunda fase, algumas peças podem ser unidas, oferecendo pequenas nuances que podem parecer partes da imagem final, sem que seja possível ainda visualizá-la completamente. Nessa fase o mais importante é o encaixe perfeito de uma peça na outra que, na técnica, equivale à coordenação de dois ou mais movimentos simultaneamente, principalmente aqueles que acontecem de forma antagônica em estruturas próximas (por exemplo: o relaxamento vertical da laringe com o levantamento do zigomático; a movimentação da sustentação com a rearticulação das costelas, etc). Imagine nessa analogia que o quebra-cabeças está sendo montado de forma vertical, o que lhe dará um fator a mais de dificuldade, pois o equilíbrio das peças só acontece quando estão encaixadas perfeitamente. Essa ideia explicita a dificuldade dessa fase, fazer os movimentos sem que um interfira no equilíbrio e na forma do outro.
E por fim, na última fase, todas as peças devem ser unidas. Ainda pensando no quebra-cabeças montado de forma vertical, o equilíbrio total só vai acontecer quando todas as peças forem encaixadas, criando um conjunto estável o suficiente até para que seja possível emoldurar a imagem formada e finalmente poder visualizá-la completamente. O todo vai fazer sentido completo apenas nesse momento.
Por isso, quando a sensação de ter voltado para a primeira aula aparecer, pense que você não está voltando para o início do jogo do tabuleiro e sim que você está manuseando essa peça (movimento técnico) construída nas primeiras aulas para juntar uma com a outra e que para isso, a forma dessa peça (o correto movimento) deve estar muito clara e para isso ser reestudada. Assim, como na montagem do quebra-cabeças, nenhum movimento técnico (peça) é ultrapassado e esquecido por já ter sido percorrido, o que acontece é que todos movimentos estudados (as peças) devem permanecer lá para que seja possível montar um som (uma imagem) que possua tudo que foi estudado ao mesmo tempo.
Nunca imite um movimento de outro cantor, cada instrumento é diferente
e pode ter diversas alterações devido a conformações musculares próprias.
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