Em diversos posts anteriores eu falei sobre o ataque no canto, e sobre como ele é essencial para uma boa colocação vocal e qualidade sonora. Abordei a questão do ataque com relação à respiração em O Ataque do Ar e do ataque do ponto de vista da posição das pregas vocais em O Ataque das Pregas Vocais Parte 1 e Parte 2. Hoje continuarei, abordando a questão do posicionamento das pregas vocais depois que o ataque foi feito, por isso recomendo que os posts citados acima sejam lidos previamente.

O conceito é simples e bem fácil de compreender: antes do ataque as pregas vocais foram posicionadas em completa adução sem força, o ataque aconteceu mantendo esse posicionamento e durante toda a frase que se seguir esta posição deve ser mantida de forma exatamente igual. O difícil é fazer com que isso aconteça…

“The maintenance of the subglottic phonatory pressure head (whose magnitude is the principal determinant of the loudness of the voice) depends largely upon the coordinated activity of the abdominal and internal intercostal muscles operating against the glottic resistance provided by the already abducted and tensed vocal folds” ¹

Compreensão Mental

Para ficar mais fácil vou evitar ao máximo termos técnicos do funcionamento neurológico nessa parte.

Durante a pré-fonação, aquele milissegundo antes de começarmos a fonar propriamente, o controle que temos sobre a posição das pregas é direto e total: pelo sistema motor conseguimos mantê-las na posição ideal.  Quando a fonação começa, porém, não temos mais esse controle direto, quem vai controlar o posicionamento das pregas é uma parte mais automática do nosso cérebro. E é claro que é aí que mora o nosso problema: como manter essa posição se não temos mais como controlá-la diretamente?

O que não pode ocorrer é que as pregas vocais se separem durante a frase musical. Podemos pensar isso de uma outra maneira também: nós não queremos que elas se abram durante a fonação. Se quem comanda agora o movimento das pregas vocais é uma parte automática do cérebro, podemos imaginar que essa parte enviará uma ordem de abertura para as pregas (e acreditem em mim, essa ordem virá!). Temos então que impedir que essa ordem chegue e seja executada, para isso podemos enviar pela parte mental sobre a qual temos controle direto uma contra ordem que impeça essa ordem de abertura, pensando diretamente em “não abra”. Mantendo um mantra mental de “não abra! não abra! não abra! não abra!…..” iremos inibir todas as ordens de “abra” que estarão sendo enviadas pela nosso mental mais automático.

“The critical relationship between vocal onset and the ensuing form of phonation is further explained by the neuromuscular systems that control them. Prephonatory set is largely controlled by the ‘motor system’, in which the central nervous system sends signals to the laryngeal muscles, resulting in voluntary muscular contractions. The subsequent control of those muscles is sensory; it is achieved through a neuro muscular feedback system known as proprioception or kinaesthetic awareness, as well as through an auditory control system in which the ear monitors the sound and makes continuous corrections.” ²

Compreensão Emocional

Você já brincou de não pisca? Ou de quem piscar primeiro perde? (Aquela brincadeira onde um fica olhando para o olho do outro e não se pode piscar e quem piscar perde.) Se não, arrume já algum amigo para brincar disso, essa brincadeira é essencial para compreender muitos processos que devem ser feitos ao cantar e especialmente o que eu estou explicando hoje.

Temos 3 possibilidades nesse jogo:

1. Manter os olhos bem arregalados para que eles não se fechem;
2. Deixar os olhos ultra relaxados e levemente fechados na esperança que eles não se fechem completamente ;
3. Manter os olhos normais, nem tensos e nem forçadamente relaxados e fazer um mantra dentro da sua cabeça de “não pisca! não pisca! não pisca! não pisca!……”.

Garanto que o vencedor será quem optar pela terceira opção (faça o teste 😉 ).

Da mesma forma que impedimos a ordem de “pisque!” de chegar aos olhos concentrando-nos na contra-ordem “não pisque!”, a concentração no mantra “não abra!” funcionará como contra-ordem para a ordem “abra!” que estará sendo enviada para as suas pregas vocais por partes cerebrais sobre as quais você não tem direto controle.

Compreensão Física

De todas as técnicas que eu já expliquei aqui no blog tenho total consciência de que a de hoje parece uma das mais absurdas e observo a descrença também nos meus alunos quando explico-lhes pela primeira vez, portanto, a única forma de acreditar no que estou dizendo é testando e sentindo no seu próprio corpo e na qualidade do som emitido o uso dessa técnica.

Como com todas as técnicas que expliquei anteriormente recomendo o aprendizado desta com um profissional competente que possa orientar corretamente, garantir sua saúde vocal no processo e guiar nessa fantástica descoberta (garanto que quem conseguir dominá-la terá resultados incríveis e viciantes!).

Para ajudar na compreensão física de como essa “não abertura” deve ocorrer vou descrever as sensações “erradas”, as que NÃO devem ser sentidas e que, além de não estarem corretas, podem indicar condições prejudiciais à sua saúde vocal. Farei isso porque a sensação correta é apenas não sentir NADA. Quando tudo permanece igual é isso que sentimos: um grande nada, apenas uma manutenção do que vinha antes.

Os dois movimentos errados que costumam acontecer nesse treino são muito parecidos com as duas primeiras possibilidades que descrevi acima, me referindo ao jogo do quem piscar primeiro perde, e , como no jogo, ao usá-los você também vai “perder” :

1. Excesso de tensão no movimento oposto. Algumas pessoas, na tentativa de não deixar que as pregas se abram, pensam em mantê-las fechadas e fazem força com a laringe para que isso aconteça, apertando-a. Isso causa dor e está MUITO ERRADO, podendo causar danos à saúde das pregas. Portanto, se sentir sintomas como dor na garganta, tensão no pescoço e/ou dentro da laringe, PARE imediatamente, o movimento está bem errado;
2. Relaxamento exagerado. Algumas pessoas, na tentativa de não deixar que as pregas mudem depois do ataque, já as posicionam levemente abertas neste e assim conseguem ter uma sensação de que “nada mudou”, porém o início não estava correto, então também está completamente errado.

A única coisa que é normal nesse treino é cansaço na região da laringe, NUNCA acompanhado de dor. Fique atento e não se machuque!!!

Durante o treino para dominar essa técnica recomendo maior ingesta de proteínas na alimentação e maior hidratação direta nas pregas com inalações bucais com soro fisiológico.

Para ter aulas de canto com Tati Helene entre em contato aqui.

¹ “A manutenção da pressão subglótica durante a fonação (cuja magnitude é o principal determinante do volume da voz) depende em grande parte da atividade coordenada dos músculos abdominais e intercostais que operam contra a resistência glótica gerada pelas pregas vocais tensionadas em adução.” (Tradução livre) – Wyke B, D: Laryngeal Neuromuscular Control Systems in Singing. Folia Phoniatr Logop 1974;26:295-306. doi: 10.1159/000263791

² “A relação crítica entre o ataque vocal e a forma com que segue a fonação é explicada pelos sistemas neuromusculares que os controlam. A Préfonação é largamente controlada pelo ‘sistema motor”, o sistema nervoso central envia sinais para os músculos da laringe, resultando em contrações musculares voluntárias. O controle posterior ao ataque desses músculos é sensorial, controlado através de um sistema de feedback neuromuscular conhecido como propriocepção ou consciência cinestésica, bem como através de um sistema de controle auditivo em que o ouvido monitora o som e faz correções contínuas. ” (Tradução livre) – STARK, James. Bel Canto – A History of Vocal Pedagogy – Toronto: University of Toronto Press Incorporated, 1999. (eBook*)